Friday, November 03, 2006

Cigarette Smoke

Sol preguiçoso de começo de manhã, fundido ao azul claro do céu de verão; avenidas desertas e pichações nas paredes. E lá está, mais uma vez, em mais um caminho que o levará ao lugar de sempre. Paletó sobre o ombro, sapatos numa mão, pedaços do coração formando uma trilha. Assobia uma canção dos bons e velhos tempos e os ventos respondem, guiando seus passos.

Vira uma esquina, encontra uma padaria. Entra. No balcão, um senhor por volta dos 60 (ou seriam 50?) toma calmamente um cafezinho, e nos intervalos entre os goles dá pequenas mordidas num pão com manteiga.

Um café com leite e um croissant porfavor, pede à mulher-do-sorriso-simpático atrás do balcão. Gostaria também de um pouco de gim; mas isso não se atratreveria a pedir. A comida chega, paga por ela. Dá um pequeno sorriso; num mundo tão cheio de dissabores, é bom saber aproveitar os gostos que agradam o paladar.

Nota no bolso da camisa do velho um maço de cigarros.

- Ei... Me dá um cigarro?

O velho olha para ele, pensativo. Uns segundos depois ele entrega um cigarro.

- Acredite, você vai me odiar por isto daqui há uns anos.
- Muito pelo contrário, serei eternamente grato.
- ... Quando você tiver falhado em parar de fumar quatro vezes, entenderá o que quero dizer.

Uma pequena gargalhada.

- E por que eu iria querer me livrar de um vício tão doce?

O velho vira o maço e lhe mostra a foto de um homem numa cama de hospital, entubado.

- Algo me diz que não viverei o bastante para chegar à essa idade.

Agora, é a gargalhada do velho que ecoa pela padaria.

- Eu também pensava assim... E, como eu, você provavelmente errará sua previsão. Bowie estava certo, todos devíamos morrer aos 25. Mas, como ele, a maioria de nós infelizmente não o faz.
- Hm... é raro encontrar alguém da sua idade que conheça David Bowie.
- Percebe-se o quanto essa merda de mundo está ferrada quando um moleque, como você, fala isso para um velho.

Agora, os dois riem.

- ... Você... não é um escritor? Acho que já vi sua foto na orelha de algum livro. Você não é João... alguma-coisa?
- Certeza que você não saiu de uma máquina do tempo? Não acreditava que garotos da sua idade ouvissem Bowie ou perdessem tempo lendo.
- Não diria que ler seja perda de tempo. E, mesmo que seja, o que faço melhor é perder tempo.
- Não deveria. Acredite, você ainda se arrependerá de cada segundo gasto.No fim, você desejará que cada segundo perdido com Machados de Assis, Dostoievskis, Saramagos ou Joãos-Alguma-Coisa tivesse sido gasto de outra maneira... Como a garota em que você estava pensando.
-... Minha cara de dor-de-corno é tão óbvia assim?
- Não, mas eu já vi uma parecida muitas e muitas vezes, no espelho. Enfim... Se meus conselhos fossem bons, eu diria pra você tirar a merda desse rabo daqui e ligar pra ela.
- Mas...
- Eu disse, SE os meus conselhos fossem bons...
- Quer saber? Vou fazer isso. Se der certo, juro que compro um livro teu.

Se levanta, tira um celular do bolso e deixa a padaria. O velho termina seu café calmamente, com um pequeno sorriso no rosto. Cumprimenta a moça do balcão, pega seu chapéu e vai embora.

O maço de cigarros fica no balcão.




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Sabe quando você senta, começa a digitar e só para quando está pronto? Enfim, não sei se gostei - só vou saber quando tiver saco pra reler tudo- o que vocês acharam? Ah, e era pra isso ser um tipo de homenagem ao Waterloo To Anywhere (melhor àlbum do ano) e ao Carl Barat, mas o texto acabou se revoltando e acabou saindo... Isso. Foi mals, Carl.